14 janeiro 2011


Lágrimas

Era uma vez uma lágrima, uma lágrima de constipação. Sabem como é: o pingo no nariz, os olhos a arder, um espirro, outro espirro, e uma lágrima que se solta pelo cantinho do olho e escorrega, bochecha abaixo?

Era uma vez uma lágrima, uma lágrima de riso. Sabem do que falo: de tanto rir, tudo estala em nós e as lágrimas saltam dos olhos como fogo-de-artifício, foguetes de lágrimas?
Eram, pois, duas lágrimas. Encontraram-se, no mesmo lenço.
- Ouvi dizer que também há lágrimas de tristeza - contou uma.
- Custa-me a acreditar - disse a outra. Era a do riso quem assim falava.
Mas uma terceira lágrima chegou ao lenço. Tão de água, tão salgada como as outras. E da fonte dos mesmos olhos. Mas esta era diferente.
- Sou uma lágrima de dor - apresentou-se ela. Seria verdade? Às outras duas parecia impossível. Quem a soltara, constipado que estava, ainda há pouco rira até às lágrimas. Como é que se pode passar, assim tão de repente, da alegria à mágoa?
- O que aconteceu, entretanto? - quiseram saber as duas lágrimas mais antigas.
- Foi um entalão - explicou a recém-chegada. - Quem me soltou tinha ido buscar um lenço dobrado à gaveta e, entretido a rir, ao fechar, entalou um dedo.
- Há desgraças piores - comentou a lágrima da constipação.
- Prefiro nem saber - suspirou a lágrima do riso. O resto da conversa já não acompanhei, porque eu, o dono das três lágrimas, desfiz-me do lenço molhado para dentro da roupa suja. Lenços não me faltam, brancos ou às cores e para todas as ocasiões da vida.

António Torrado

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