19 maio 2011

Lendas de Gondomar - Lenda de Vale Flores

O Lugar tinha a sua rua principal e nessa rua morava um casal ainda jovem. Amavam-se muito, mas um desgosto enorme perturbava a felicidade completa daquele lar. Por bruxedo feito por uma pretendente do marido da Mariana, que a preterira em favor da sua actual mulher, aquele passara a “correr o fado”.
Sofria de desgosto a mulher do “corredor”. Todas as terças e quintas-feiras, logo após as badaladas da meia-noite, dadas no sítio da igreja, via o seu homem sair de casa, dirigir-se ao pinheiro mais alto das redondezas, trepar ágil que nem felino por ele acima e dependurar, no cocuruto, as roupas que trazia vestidas! Invariavelmente, a seguir, dirigia-se ao local onde se realizava a feira semanal e espolinhava-se no mesmo sítio onde um cavalo tinha feito o mesmo (o “corredor de fado” transformava-se sempre no animal que se tinha espolinhado no local onde eles mesmos se espolinhavam). Transformado naquele animal, partia a toda a brida, percorria sete estrada reais, regressando a casa antes que amanhecesse, sob pena de aparecer ele mesmo humano onde passasse ao romper do dia.
Havia duas maneiras de “quebrar o encanto” mas, dado o melindre de que se revestia a ocasião, quem o tentasse fazer não podia falhar, se não poderia morrer ele mesmo ou o “corredor”.
Uma dessas formas de “curar” o “achacado” era subir ao pinheiro onde estavam as suas roupas, metê-las num forno e queimá-las totalmente. Não podia restar sequer um “cisco” das mesmas.
Outra era tentar ferir o animal que corria e em que ele se tinha transformado.
Qualquer destes possíveis “remédios” tinham já sido aplicados e... nada. O fado continuava a ser corrido pelo moço.
Então, a sua mulher recorreu à bruxa que, na terra, tinha maior fama. Contou-lhe a sua desgraça e ela disse-lhe que bem sabia como curar o seu marido do mal que o apoquentava, pois tinha sido ela que o embruxara a pedido da moça que o pretendera, quando ainda solteiro!
«O teu marido precisa de, depois de “correr o fado”, pisar flores desde a entrada da rua até casa. Flores de vários tipos e várias cores».
Naqueles longínquos tempos em que todas as terras eram pertença do Mosteiro de “São Cristóvão” de Rio Tinto, só havia um rico lavrador-fidalgo capaz de, a troco de boa maquia, lhe conseguir a quantidade e variedade de flores para “atapetar” o caminho onde morava.
Lá se dirigiu à quinta do fidalgo, levando ao pescoço, já com a finalidade de o dito fidalgo o ver, grosso cordão de ouro que sua mãe lhe tinha dado no dia do seu casamento. Era o que de maior valor possuía.
Quando o fidalgo deparou com o cordão, e sem que a mulher pudesse dizer ao que ia, logo lhe perguntou:
“Quanto vale?”
“Vale flores”, titubeou ela!
Em troca do ouro, o fidalgo mandou vários criados colher flores que, embora poucas e quase murchas, foram suficientes para “curar” o “corredor de fado”. Mas Deus não dorme, e no lugar do já curado, passou a “correr o fado” o fidalgo que, por tão grande valor de ouro, tão poucas e tão más flores vendera! Aquele ouro valia mais e melhores flores!
Eis, pois, a lenda que deu o nome ao Lugar de Vale Flores.
Ainda hoje existe, na freguesia de Rio Tinto, uma rua com o nome Val Flores.

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